O último campeonato brasileiro foi marcado por surpresas, indefinições, campeão definido após o apito final e situação de rebaixamento decida depois do término da competição.
Um caso específico, chamou atenção da imprensa, de torcedores e colocou em evidência o Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os juristas desportivos, estamos falando sobre o pedido do Vasco da Gama para a impugnação da partida contra o Internacional.
Os motivos que levaram o Vasco da Gama pleitear a impugnação foi que, na mencionada partida, o sistema de árbitro de vídeo(VAR) não funcionou para checagem do primeiro gol da partida marcado pelo Internacional sob o pretexto de que o sistema estaria "descalibrado".
A equipe do Rio de Janeiro alegou que o jogador do Internacional que marcou o aquele gol estaria em posição de impedimento incontestável, o que prejudicou o Vasco de forma irreparável na partida. Alegou ainda que, após a análise do material de áudio e vídeo do VAR, disponibilizado pela CBF à pedido do STJD, com as supostas linhas de impedimento traçadas, restaria confirmado o impedimento do atleta do Internacional no primeiro gol da partida, porém que de maneira temerária e açodada foi validado pela equipe de arbitragem.
Em sede de fundamentação jurídica, o Vasco da Gama alegou erro de direito contra a equipe carioca, o que deveria ensejar à impugnação da partida, pois conforme art. 259, §1º do CBJD, “a partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado”.
Antes de analisarmos a decisão proferida pelo STJD, é importante termos a noção da diferença entre erro de direito e erro de fato.
O erro de fato ocorre quando o árbitro da partida tem uma equivocada observação visual, há um erro por falta de observação da jogada, o que o induz a uma falsa realidade, por exemplo: o famoso gol de mão de Maradona, neste caso o árbitro não soube diferenciar se foi um toque de cabeça ou com a mão, na sua visão ele teve como um toque legal naquela jogada (COCCETRONE, 2021).
Agora, tratando-se de um erro de direito devemos analisar a falta de observância da regra da modalidade pelo árbitro, ou seja, quando ele comete intencionalmente um erro(conduta dolosa) ou quando mostra total desconhecimento das regras da modalidade, como por exemplo: anular um gol de cobrança direta de escanteio ou em caso do árbitro agir com intuito de macular a partida(caso do campeonato brasileiro de 2005, quando houve a constatação da máfia do apito).
Dada a breve explicação sobre erro de fato e erro de direito, passamos à análise da decisão do presidente do STJD sobre o indeferimento do pedido de impugnação do Vasco da Gama.
A fundamentação utilizada pelo Presidente do STJD está sob a luz do art. 84, §2º, III do CBJD, vejamos:
Art. 84. O pedido de impugnação deverá ser dirigido ao Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), em duas vias devidamente assinadas pelo impugnante ou por procurador com poderes especiais, acompanhado dos documentos que comprovem os fatos alegados e da prova de pagamento dos emolumentos, limitados às seguintes hipóteses:
(...)
§ 2º A petição inicial será liminarmente indeferida pelo Presidente do Tribunal competente quando(...)
III - faltar condição exigida pelo Código para a iniciativa da impugnação; (CBJD, 2009)
A condição exigida que não foi apresentada no pleito do Vasco da Gama foi justamente a existência do erro de direito, pois entende o STJD que o referido clube estava debatendo supostos erros de interpretação da equipe de arbitragem naquela partida, questionando se o jogador do Internacional estava ou não em posição de impedimento.
O presidente do STJD, em sua decisão, posicionou-se no sentido de evidenciar que não houve erro de direito por parte da equipe de arbitragem que tal discussão já era pacífica no próprio órgão julgador, vejamos trechos:
Já se havia consignado na decisão antecedente, que a jurisprudência histórica e pacífica deste STJD é no sentido que somente o erro de direito é que pode servir para arrimar a pretensão de Impugnação ao Resultado da Partida, e o princípio do pro competitione informa que não se deve vulgarizar este instituto, deixando em dúvidas o resultado obtido em campo, quando inexistem fundamentos mínimos que arrimem a pretensão.
(...)
E, com todas as vênias, na presente hipótese, inexiste qualquer indício, mínimo que seja, a indicar um eventual erro deliberado por parte da arbitragem; chegando, lado outro, a ser impossível supor que a equipe de arbitragem desconheça as regras do jogo relativas à condição de impedimento.
(...)
E se assim o é, mesmo se erro houvesse – o que não está a se afirmar – seria, certamente, de fato, e não de direito, o que impede, certamente, o recebimento deste procedimento de Impugnação de Partida.
(...)
A presente decisão não traz qualquer sabor de novidade ou de surpresa, limitando-se a reafirmar o entendimento já sedimentado por esta Corte de Justiça Desportiva, em obséquio, inclusive, à segurança jurídica.
Tudo isso posto, INDEFIRO a Exordial, na forma do impositivo previsto no inciso III, do §2º do art. 84 do CBJD.(STJD, 2021)
Cabe lembrar que para o STJD o protocolo do VAR são normas procedimentais e não compõe a regra do jogo.
Dessa maneira, a decisão privilegiou o resultado de campo, com base no princípio pró-competição e que se, porventura, houve algum erro da arbitragem foi um erro de fato, ou seja, uma falsa observação da realidade.
Sendo assim, no entendimento do STJD, o pedido do Vasco da Gama não teve razão e falto os pressupostos admissíveis para a impugnação da partida.
Lembramos que, nos últimos 5(cinco) anos, de diversos pedidos de impugnação de partida, excepcionalmente houve deferimento do pedido e consequente anulação da partida envolvendo as equipes da Ponte Preta x Aparecidense na Copa do Brasil 2019.
Este caso poderá ser debatido em um próximo artigo, por enquanto o mencionamos somente a título de ilustração, para demonstrar que os julgamentos de pedidos de impugnação de partidas são bem criteriosos, seguindo estritamente a legislação esportiva.
Por fim, ressaltamos que anulações de partidas devem ser aplicadas em casos excepcionais que se encontram preenchidos todos os requisitos legais, sempre com intuito de prezar pelo resultado de campo e pela segurança jurídica da competição.
REFERÊNCIAS
CBJD. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Reformado pela resolução CNE n. 29 de 10/12/2009. Disponível em < https://www.gov.br/cidadania/pt-br/composicao/esporte/tjdad/arquivos/codigo_brasileiro_justica_desportiva.pdf > Acesso em 13 de março 2021.
COCCETRONE, Gabriel. Vasco x Inter: gravação do VAR não aumenta chances de anulação; entenda. Publicado em 25 de fevereiro de 2021. Disponível em < https://leiemcampo.com.br/vasco-x-inter-gravacao-do-var-nao-aumenta-chances-de-anulacao-entenda/ > Acesso 13 de março 2021.
STJD. Presidente indefere impugnação do Vasco. Publicado em 04 de março 2021. Disponível em < https://www.stjd.org.br/noticias/presidente-indefere-impugnacao-do-vasco-1 > Acesso em 13 de março 2021.
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